A gripe humana convencional mata 375 mil pessoas no mundo, todos os anos, e não sai nada nos jornais, nem na televisão, no rádio ou na internet. Somente na Europa morrem 40 mil, segundo a Organização Mundial de Saúde. Passei por muitas epidemias do vírus influnciae, desde a “gripe Hong Kong”, em 1968, seguida da coreana, vietnamita, da vaca louca, a ovina, a aviária e até pela gripe Sarney - aquela que se repete a cada quatro anos e dura outros quatro. No México, um país com 109 milhões de habitantes foram registrados 15 óbitos debitados à gripe suína. O presidente Felipe Calderón mandou distribuir milhões de “tapabocas”, como lá são denominadas as máscaras cirúrgicas. Pediu que as pessoas não saíssem de casa durante cinco dias. O medo da doença paralisou a economia do país e acabou com o turismo,a sua grande fonte de renda. Trinta e oito milhões de brasileiros ficam engripados no inverno, ou seja, 20% da população. Quantos morrem, ninguém sabe porque a causa mortis é registrada pelo genérico de “doença do aparelho respiratório”. Com o progresso da medicina e dos fármacos toda gripe é benigna, exceto para os meios de comunicação de massa. A técnica editorial manda fazer de cada fato um espetáculo. Com isto o medo se espalha, mais virulento que a peste negra medieval. O jogador de futebol de uma equipe mexicana foi flagrado pelas câmeras de televisão tossindo e expelindo secreção no adversário argentino, como estratégia de intimidação. Até em Bauru o Hospital Estadual anuncia que tem 15 leitos blindados para aguardar os infectados. Tomara que continuem desocupados. Senti falta do pronunciamento tranquilizador do presidente Lula. Tipo “se chegar ao Brasil não vai passar de um espirro.” Coitado daquele menino pobre, de uma vila perdida no interior do México, mil vezes filmado e fotografado por repórteres de centenas de países que o acusam, sem provas, de ser o propagador do vírus. Parece que a imprensa não o perdoa por estar são e salvo, pulando e brincando como toda criança. Achou o vilão de todo esse transtorno. Aposto uma cartela de Tylenol - Ah... As multinacionais dos remédios! - que essa pandemia vai durar enquanto estiver rendendo audiência na tevê e vendendo jornais. Gradativamente as notícias irão para espaços secundários e páginas internas. A gripe acabará esquecida como tantas outras, sem sequer um lugar na história. O Google até já criou ferramentas para detectar como evoluem as crises no mundo, pelo número de buscas. Quintuplicaram os pedidos de anunciantes que querem os seus banners atrelados a palavras-chaves como gripe, vírus, porco, influenza. Para livrar os porcos da maldição, a OMS já mudou o nome da doença para “nova gripe”. Muito justo. Afinal, não são os porcos que estão doentes. A doença é humana. Os leitões apenas desenvolveram o vírus mutante para se defenderem das rações mexicanas onde entra farinha de peixe. Porco nunca pescou. Os criadores enchem os bacuris de hormônios, antibióticos, antivirais e praticam com eles pirotecnias genéticas para estimular a engorda precoce. Resistentes a agentes infecciosos tornaram-se usinas de virus poderosos. Sem poderem prosperar em organismos porcinos blindados os vírus miram os humanos para hospedeiros. O garoto mexicano daquele primeiro caso morava ao lado de uma granja pertencente a uma multinacional, fornecedora de carne suína para os Estados Unidos. Processo semelhante aconteceu com o frango, com a vaca, com a ovelha. O presidente Barack Obama preferiu chamá-lo de “virus H1N1”, para dar aquela conotação high tech, como convém a uma nação hegemônica. No Egito o governo de Osny Mubarack mandou matar os 300 mil suínos que compõem o pequeno rebanho. Fez média com os líderes islamitas. O alcorão proíbe consumo de carne de porco aos muçulmanos. A literatura sempre espelha muito bem as fraquezas humanas. Nada é mais real do que a ficção. George Orwell escreveu uma obra prima intitulada “A revolução dos bichos”. Na historinha, o porco Major é responsável por despertar em todos os animais da granja uma certa consciência política. Seu objetivo era criar a revolução do Animalismo, regime que os livraria de toda a forma de opressão e oportunismo exploratório humano. Desconfio que o porco Major ressurgiu no México inspirado na alma de Pancho Villa ou de Zapata para uma nova insurgência, desta vez contra a cobiça humana. Precisamos de um herói disposto a dar um basta a tantos abusos contra a natureza. E ainda categorizam os porcos como “irracionais”. O autor, Zarcillo Barbosa, é jornalista e colaborador do JC |